terça-feira, 8 de janeiro de 2019

Um homem e o Sertão

O sertão é a raiz do tempo, do ser humano. É a resistência da vida e da solidariedade. Por ser rústico, é intenso, afirmativo e profundo. É no resistente sertão, Fazenda Vargem – Conceição do Coité – que na madrugada de 15 de maio de 1931, nasce Hildebrando Ferreira Mota. O sétimo dos oito filhos de Simão da Motta e Firmina Ferreira Mota. O batismo do pequeno Hildebrando ocorreu na Igreja Matriz de Nossa Senhora da Conceição, por um frade capuchinho que estava em missão na cidade. O sobrenome da família deveria ser “da Motta”, mas Dona Firmina o achava esquisito e acabou batizando os filhos como Ferreira Mota. O pequeno Hildebrando cresceu em meio aos umbuzeiros e mandacarus e desde cedo mostrava interesse em cuidar dos animais e ajudar seu pai na administração da pequena fazenda. 

A casa simples da família Mota abrigou durante anos os 9 irmãos, além dos familiares e amigos que por ali passavam pequenas temporadas. Dona Firmina era muito religiosa e por isso, todos os dias, às seis horas, reunia a família para a oração do terço mariano. Na fazenda Vargem não havia energia elétrica, e após a oração e janta – quase sempre cuscuz com café e leite de gado – Hildebrando e os irmãos sentavam-se no alpendre da casa para ouvir as estórias que os faziam viajar e sonhar. O pai não largava o velho rádio, sempre atento ao noticiário e às músicas de Luis Gonzaga.

Hildebrando cresceu em estatura, sabedoria e graça! Em meados da década de 1950, do alto do seu cavalo conheceu Maria das Dores Costa Souza, a bela Mariita de Alagoinhas. Após um período de namoro, casaram-se sob as bênçãos dos pais e de Deus e a ainda jovem Mariita passou a chamar-se Maria das Dores Souza Mota. Da união do casal nasceram Maria das Graças, José Marcílio, Maria Cristina, Roberto, Maria Angélica, Hildebrando Filho e Ana Maria.

Mariita era professora, das mais queridas na cidade e Hildebrando enfermeiro. Apesar do trabalho no hospital, Hildebrando nunca abandonou a sua grande paixão: o campo, a terra, tão importante para a sobrevivência humana... A família crescia e com ela as dificuldades, mas acima de tudo o sentimento de união. Os filhos cresceram, casaram, vieram os primeiros netos.

Foram quase 50 anos de união! Dezenas de netos, uma bisneta e muita história boa para contar. Em junho de 1999 a mais bela flor do nosso jardim nos deixou, ficaram, no entanto, os seus ensinamentos, a sua simplicidade, a acolhida, o carinho por todos os filhos, netos, vizinhos e amigos e, acima de tudo um grande legado que até hoje carregamos conosco: a espiritualidade, a oração, o temor a Deus, autor e princípio da vida. Com a morte da queria Mariita, Hildebrando passou a residir com o filho Roberto.

Minha experiência - Foram 12 anos de convivência e eu pude aprender muito. O silêncio também comunica e mesmo com poucas palavras pude perceber o grande homem que ele era. Nas conversas durante o almoço ou a janta (o prato era quase sempre feijão de corda com farinha de tapioca), pude reviver um pouco da história de Hildebrando que hoje compartilho com cada um de vocês!
Em 2009 fomos surpreendidos com o reaparecimento do câncer, que o já lhe havia causado sofrimento ainda nos anos 1990. Nós nos surpreendemos, mas ele não! Foi firme em todos os momentos e todas as vezes em que o encontrava e perguntava como estava a resposta era essa: “Estou bem, graças a Deus”. Acompanhei cada passo de grande Hildebrando. As sessões de radioterapia e quimioterapia que nunca o abalaram e nem o impediram de exercer o ofício que escolheu: cuidar da terra, dos animais... Acompanhei a fé desse homem, herdada de sua mãe. Não sei se vocês sabem, mas todos os dias antes de deitar ele rezava o terço, meditava a Paixão de Cristo, que era também a sua paixão, afinal de contas, aquela triste doença o consumia internamente.

O tempo passava e todos nós sabíamos que a doença se agravava a cada dia. Ele talvez também soubesse, mas não se entregou e viveu intensamente até os últimos momentos. Hildebrando foi resistente como é o sertão onde nasceu, cresceu e aprendeu a superar as dificuldades. No dia 8 de setembro de 2011 nos deixou... Reencontrou a sua linda flor Mariita!

Habita em meu coração a lembrança de um verdadeiro guerreiro, forte e resistente como os mandacarus que ainda hoje embelezam a Fazenda Vargem, onde ele nasceu. A saudade que habita em nosso coração nos faz lembrar o pai exemplar, avô dedicado, irmão e tio querido por todos. Quase 10 anos se passaram e permanece em nós esse sentimento de gratidão pela arvore frutífera que ele plantou.

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